Ela não pode pegar a filha no colo após o parto nem
amamentá-la. Também não teve a oportunidade de comemorar o nascimento da
menina nem receber visitas na maternidade. A representante comercial
Priscila Lang de Moraes Baeta, 36, conta que foi difícil não estar ao
lado da filha, que nasceu prematura, durante os cinco meses que a menina
ficou internada em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) neonatal.
Enquanto Manuela, hoje com 1 ano e 4 meses, lutava para viver, a mãe
fazia o mesmo em um outro hospital. Priscila tentava se curar de uma
grave leucemia descoberta no quinto mês de gestação.
Priscila conta que ela e a sua família viveram intensamente a
experiência de lidar com a vida e a morte ao mesmo tempo – tanto dela
como da menina, que nasceu com 27 semanas de gestação pesando apenas 800
gramas.
Priscila conta que o primeiro sinal de que algo não ia bem foi uma
febre fraca e persistente. “Primeiro acharam que era virose. Tomei
remédios permitidos durante a gravidez e a febre não ia embora. Os
médicos só notaram que podia haver algo de errado quando apareceram
nódulos nas minhas axilas, que incharam. Meu médico me orientou a
procurar um clínico-geral no hospital Sírio Libanês e não sai mais de
lá”, conta.
Após uma série de exames, os médicos deram o diagnóstico. Priscila
conta que chorou ao saber da doença, mas que não tinha a dimensão do que
estava por vir. Além da necessidade de começar o quanto antes a
quimioterapia, ela precisava ‘segurar’ a filha o máximo de tempo
possível na barriga para que ela pudesse se desenvolver. “Tomei quimios
orais enquanto estava grávida para não comprometer o desenvolvimento
dela. Ao mesmo tempo que precisava começar um tratamento mais agressivo,
tinha que manter ela na minha barriga o máximo possível.”
Priscila pega a filha no colo um mês após o nascimento da menina (Foto: Arquivo Pessoal)
O combinado com os médicos era de que ela levaria a gestação adiante
até que as células cancerígenas atingissem os níveis máximos, o que
aconteceu dez dias após descobrir a doença. Quando o exame de sangue
apontou que ela tinha 87% de células cancerígenas no corpo, foi colocada
em uma ambulância e transferida imediatamente para o hospital Albert
Einstein já que no Sírio Libanês não existe maternidade. Lá, ela foi
submetida a uma cesárea de emergência sem saber se ela e a menina
sobreviveriam. Por conta do bebê ser muito prematuro, foi preciso fazer
uma cesárea com corte na vertical para que a criança fosse retirada sem
nenhum trauma ou pressão.
As duas conseguiram passar pela cirurgia e foram separadas. Priscila
voltou para o Sírio Libanês, onde foi direto para a UTI (Unidade de
Terapia Intensiva). Em seguida, ela iniciou séries intensas de
quimioterapia. Eram sete dias tomando a quimioterapia por 24 horas.
“Foram cinco ciclos de quimioterapia. Eu passava muito mal, desmaiava e
tomava só banho deitada na cama. Tinha hora que eu nem raciocinava.
Tomava morfina como quem toma aspirinas”, conta Priscila que ficou, ao
todo, cinco meses e meio internada.
Ela conta que no período de internação pode sair algumas vezes para
visitar a filha. O primeiro encontro delas foi quando a menina tinha
quase um mês de vida. No primeiro dia, ela conta qe não conseguiu pegar a
filha no colo. No dia seguinte, tomou coragem e fez o método canguru
(ténica que ajuda reforçar o sistema imunológico de prematuros ao colar o
bebê pelado no colo da mãe). “Sabia que ela precisava de minha ajuda e
foi por ela que lutei tanto pela vida.” Priscila diz que durante os dias
que esteve com a menina foi quando os médicos notaram que a
recém-nascida mais se desenvolveu.
Priscila conta que também se fortalecia toda vez que via a filha, mas
que era obrigada a voltar a ser internada e ficar longe do seu bebê.
“Nunca sabia se ia conseguir vê-la de novo.” Assim como a mãe, Manuela
também enfrentou batalhas para sobreviver. A menina passou por uma
cirurgia no coração para corrigir uma válvula, operou a coluna, teve uma
displasia pulmonar e infecção. “Ela lutou para viver tanto quanto eu”,
relata a mãe. Os detalhes sobre o quadro de saúde do bebê eram
escondidos pela família para que Priscila não ficasse ainda mais
fragilizada. “Só fui saber das cirurgias meses depois quando vi a
cicatriz nela”, conta. Apesar de todas as cirurgias, a menina não tem
sequelas.
Manu teve alta antes da mãe e foi cuidada pelo pai, avós e por uma
enfermeira que auxiliou a família enquanto Priscila seguia internada. Em
novembro, a representante comercial passou por um transplante de
medula. Segundo Priscila, a ajuda da família foi fundamental. “A minha
família e do meu marido ficaram um ano vivendo por nossa conta”, diz.
Engenheiro, o marido de Priscila chegou a se afastar do emprego em uma
multinacional enquanto a mãe e a sogra de Priscila se revezavam nos
hospitais.
A representante comercial conta que ao ter alta não conseguia cuidar
da filha como queria pois não tinha forças. “Tomava 17 remédios e nem
conseguia levantar da cama quando ela chorava.” Além do cansaço,
Priscila usava um cateter que a recém-nascida puxava toda vez que ia
para o colo da mãe. “Usei muito tempo o cateter, que só foi tirado em
abril deste ano, pois não tinha mais veias para tomar os medicamentos”,
conta.
Priscila lembra que aos 27 anos teve um câncer de tireoide e que a
iodoterapia (tratamento radioativo onde o paciente fica isolado) não se
compara à leucemia que enfrentou. “Naquela época, achava que tinha
recebido minha cota de provocação e que viveria tranquila o resto da
vida. Hoje acho que aquilo foi um resfriado muito fraco se comparado com
o que passei dessa vez”, relata.
Depois de um ano careca e usando perucas já que não se adaptou com os
lenços e não gostava de se ver careca, Priscila comemora que será o
primeiro Natal que passará com cabelos no corte ‘joãozinho’. No ano
passado, ela passou o Natal em casa com a filha, mas conta que estava
muito fragilizada.
Apesar da grande expectativa para a festa de fim de ano, Priscila
conta que o que mais emocionou nos últimos meses foi a festa de um ano
de Manu, completado no dia 13 de junho. A família organizou uma grande
festa para comemorar a recuperação das duas. Na ocasião, a menina foi
batizada pelo mesmo padre na igreja onde Priscila casou. A festa contou
com a presença de todos os médicos que acompanharam o caso das duas.
“Muita gente chorou, os médicos choraram. Não pude receber visitas, nem
ela quando nasceu. Meu marido, minha mãe e minha sogra ficavam o tempo
todo de máscaras pois a nossa imunidade era muito baixa e todo cuidado
era necessário. Foi a oportunidade de reencontrar todo mundo que torceu
pela gente”, conta. Priscila diz que a festa foi para “celebrar a
vida”.
Priscila e a filha Manuela lutaram pela vida em hospitais separados durante meses (Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Folha de São Paulo: http://maternar.blogfolha.uol.com.br/2013/11/05/mulher-descobre-leucemia-no-5o-mes-de-gestacao-e-vence-a-doenca/