Lei que prevê tratamento de câncer em 60 dias vale a partir desta quinta
Prazo conta após diagnóstico e inclusão de dados no
prontuário médico.
Entra em vigor nesta quinta-feira (23) a lei federal que
estabelece um prazo máximo de 60 dias para que pessoas com câncer iniciem o
tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Nesse período, que conta a partir da confirmação do
diagnóstico e da inclusão dessas informações no prontuário médico, os pacientes
devem passar por cirurgia ou iniciar as sessões de químio ou radioterapia,
conforme a indicação de cada caso.
A lei foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em
novembro do ano passado e tinha 180 dias para começar a valer.
O paciente que não conseguir iniciar seu tratamento dentro
do prazo que prevê a lei pode fazer uma denúncia junto à ouvidoria do SUS pelo
telefone 136. Essas denúncias serão fiscalizadas pelo Ministério da Saúde. Em
último caso, o paciente pode ainda acionar a Justiça contra o estado ou o
município em que o problema tiver ocorrido.
A nova regra, porém, não vale para três casos: câncer de
pele não melanoma (a biópsia às vezes já é o tratamento), tumor de tireoide com
menor risco e pacientes sem indicação de cirurgia, radioterapia ou
quimioterapia. Em algumas dessas situações, porém, o uso de remédios deve
começar logo após a detecção da doença.
A previsão do Instituto Nacional do Câncer (Inca) é de que
518 mil casos de câncer sejam diagnosticados em 2013, número que deve aumentar
com o envelhecimento da população e o aumento do tabagismo no sexo feminino.
Desenhista Reginaldo da Silva Filho e a mulher, Laudiceia, no Recife (Foto: Katherine Coutinho/G1)
Em todo o país, 277 hospitais, centros e institutos estão
habilitados a realizar procedimentos oncológicos pela rede pública. Há unidades
em todos os estados, mas cinco deles – quatro no Norte e um no Nordeste – têm
apenas um local de tratamento. É o caso do Acre, Amapá, Amazonas, Roraima e
Piauí.
Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, será preciso
ampliar os serviços principalmente nessas duas regiões e no interior do país.
Os investimentos para isso têm sido feitos desde 2011, com a implantação de 80
novos centros de radioterapia, aquisição de equipamentos e parcerias junto ao
Ministério da Educação (MEC) para formar profissionais na área de oncologia, o
que leva de dois a três anos.
"[Isso] Vai exigir uma reorganização dos estados e
municípios, dos hospitais. (...) Outro grande desafio é termos mais médicos
especialistas em câncer", disse Padilha, em entrevista à Globo News.
De acordo com o secretário de Atenção à Saúde do ministério,
Helvécio Magalhães, os cinco estados com apenas uma unidade de atendimento ao
câncer pelo SUS apresentam um perfil populacional baixo, e o cálculo do número
de locais necessários é feito com base no total de habitantes. Apesar disso,
segundo Magalhães, esses "vazios assistenciais" serão identificados e
corrigidos.
Para quem mora no Norte e no Nordeste, muitas vezes a saída
é viajar milhares de quilômetros em busca de atendimento especializado. Foi o
caso de duas mulheres, uma de Rondônia e outra da Paraíba, que foram
diagnosticadas no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, no interior de São
Paulo.
Rosemar Rodrigues Barbosa, de 25 anos, e Jaciara de Lima
Cosmo, de 18, fazem parte dos 6% dos atendimentos do hospital que incluem
pessoas de fora da região. As duas começaram o tratamento menos de 20 dias após
o diagnóstico da doença: uma tem um tumor na língua e a outra, um linfoma
(câncer no sistema linfático).
Na tentativa de ajudar no tratamento de pacientes com
câncer, clínicas privadas também poderão se credenciadar ao SUS. O objetivo do
Ministério da Saúde é aproveitar a estrutura que já existe e expandi-la em
novos turnos. Magalhães conta que 20 serviços privados de radioterapia estão se
credenciando à rede pública, e outros já 50 foram consultados pelo governo.
"A data de hoje é um marco na disposição legal, mas
nada acontece de um dia para o outro. Apoiamos a iniciativa da lei porque vira
uma força a mais para o que já estávamos tratando de forma especial, que são as
doenças crônicas. Cada vez mais, conseguimos colocar o câncer no centro da
Política Nacional de Saúde", avalia.
Novo sistema
Desde o dia 16, municípios e estados brasileiros têm acesso
ao Sistema de Informação do Câncer (Siscan), um programa de computador que
reunirá o histórico de todos os pacientes oncológicos e do tratamento de cada
um.
A partir de agosto, as prefeituras e os governos estaduais
serão obrigados a cadastrar as informações nesse sistema – que estará
disponível ao público, via internet. Quem não cumprir o acordo terá repasses
suspensos por parte do governo federal.
"O Siscan vai permitir um monitoramento online em tempo
real, mostrar onde há mais dificuldades, a concentração dos tipos de câncer,
para elaborar forças-tarefa e agilizar procedimentos. Onde houver indícios de
descaso por parte de um gestor ou prestador, haverá punição
administrativa", explica o secretário.
Mais de mil pessoas foram treinadas a usar o novo sistema,
com cursos a distância e manuais, segundo Magalhães. Depois de agosto, será
feito o primeiro balanço, que após esse período deve ser mensal.
O Siscan ainda não chegou, porém, a instituições como o
Hospital do Câncer de Pernambuco, onde o desenhista Reginaldo Carlos da Silva
Filho, de 23 anos, luta contra um câncer nos ossos e nos pulmões. Após os
primeiros sintomas, há cinco anos, ele levou oito meses para receber
atendimento e mais de cinco meses para iniciar o tratamento.
Toda semana, Reginaldo viaja quase 70 km da cidade onde
mora, Lagoa de Itaenga, até o hospital em Recife. Ele tem recebido o apoio da mulher,
que conheceu em São Paulo, depois de nove meses de conversas a distância, e com
quem se casou em fevereiro.
Demora no diagnóstico
Um dos problemas que a nova lei não contempla é a demora que
o paciente enfrenta para obter o diagnóstico correto da doença. Esse foi o caso
da vendedora Clediléia Maria Magalhães, de 35 anos, que vive em de Campinas
(SP) e levou oito meses para receber o resultado de uma mamografia, que acabou
identificando um nódulo. Agora, ela vive uma fase de "angústia, com um
peso nas costas", à espera de novos exames para saber se se trata de um
tumor maligno.
"O médico do posto disse que tem possibilidade de não
ser câncer e que há casos mais graves na minha frente. Mesmo com a orientação
de um oncologista, que me examinou e pediu exames pré-operatórios, ele resolveu
cancelar tudo, depois solicitou uma ultrassonografia e, se for possível, irá
encaminhar para um mastologista", disse.
Já a irmã mais velha de Clediléia, Clereni Maria Cândido, de
47 anos, foi diagnosticada em 2007 com um tumor no ovário que se espalhou para
outros órgãos. Para detectar a doença, ela resolveu pagar as próprias despesas
– pelo menos, R$ 2,5 mil. Acabou passando por três hospitais, quatro cirurgias
e se aposentou por invalidez.
Para o oncologista Pedro Ricardo de Oliveira Fernandes, do
Hospital Municipal Dr. Mário Gatti, em Campinas, a nova regra não melhora os
problemas da rede pública.
"Diante da situação que enfrentamos hoje, é uma utopia
acreditar que vai ocorrer com tanta agilidade a mudança do cenário que temos
nos hospitais da cidade. Os exames ambulatoriais pelo SUS demoram muito e,
quando precisamos de exames sofisticados, existem pacientes que morrem na fila
por conta da precariedade", diz.
Na opinião do secretário de Atenção à Saúde do ministério,
Helvécio Magalhães, os serviços do SUS devem facilitar o diagnóstico por meio
de exames como ultrassom, endoscopia e colonoscopia.
"Outro ponto é apostar na detecção precoce. Quanto mais
cedo o médico, na atenção básica, suspeitar de algo, maior pressão haverá para
o paciente fazer os exames e iniciar o tratamento", diz.
Esse é o ponto fraco da maioria dos casos. Segundo Rodrigo
Almeida de Souza, diretor do Hospital de Base Ary Pinheiro, em Rondônia, o
diagnóstico precoce depende do tempo que o paciente leva para procurar o posto
de saúde e ser encaminhado a um especialista.
Esse tempo prolongado pode ser determinante, como vive na
pele a dona de casa Francisca Camurça, de 53 anos, que faz tratamento contra um
câncer de mama em Porto Velho, após quase sete meses de espera pelo resultado.
Sobre o tratamento, Francisca não tem queixas. "Começou
rápido, o que demorou foi detectar a doença", lamenta.
Apesar de essas situações de longa espera não parecerem exceção,
há casos exemplares de atendimento de câncer no país. Os moradores do interior
paulista Conceição Aparecida de Matos e José Gomes Ferreira, de 71 anos, se
beneficiaram da rapidez dos serviços oferecidos em Jaú.
Ela, que trabalha como costureira, foi diagnosticada com
câncer de intestino e ele, de próstata. Em um mês, Conceição passou por
cirurgia e agora faz acompanhamento. José segue o mesmo caminho, e admite que a
falta de informação e o preconceito para fazer exames preventivos fizeram com
que ele só procurasse um médico aos 60 anos de idade.
No entanto, o atendimento não deve apenas ser rápido, mas
também preciso. No caso da professora de Sobradinho (DF) Maria Aparecida Nere,
de 53 anos, uma avaliação equivocada poderia ter lhe custado a vida.
Após fazer um autoexame das mamas em 2011, ela suspeitou que
estava com câncer no seio esquerdo. Consultou-se com dois ginecologistas do
SUS, e eles disseram que era apenas gordura e que não deveria se preocupar,
pois "câncer não dói". Mas dois exames feitos no mesmo ano mostraram
que os especialistas estavam errados.
Hoje, após fazer cirurgia e sessões de químio e
radioterapia, Maria Aparecida espera pelo resultado de uma ressonância
magnética – feita em clínica particular – para saber se um caroço identificado
no tórax e outro na mama esquerda são novos tumores.
Ajuda influente
O aposentado gaúcho Adão Monteiro, de 66 anos, acredita que
só conseguiu o tratamento contra um câncer de próstata porque teve ajuda de um
vereador.
Ele esperou 11 meses para tratar a doença, diagnosticada em
2011, e precisou passar por 37 sessões de radioterapia no Complexo Hospitalar
da Santa Casa, em Porto Alegre.
"Foi demorado. Se não conhecer ninguém influente, a
pessoa morre. Eles não dão bola. (...) É um descaso com o ser humano. Quando a
pessoa estiver morrendo, daí eles atendem", desabafa a mulher de Adão,
Regiane Alves Monteiro.
Outro entrave vivido por pacientes com câncer é a falta de
acesso aos medicamentos necessários ao tratamento, que às vezes não são
encontrados no SUS e precisam ser comprados. Adão também passou por isso, e
decidiu entrar na Justiça contra a Prefeitura de Canoas, na Região
Metropolitana de Porto Alegre, onde mora, para receber o remédio de que
precisava.
Atendimento
Dados do ministério mostram que, antes mesmo da nova lei,
78% dos casos de câncer em estágio inicial já têm sido tratados em até 60 dias.
Nos casos de câncer em estágio avançado, esse índice sobe para 79%. As
informações mostram ainda que 95% das crianças e dos adolescentes começam a ser
tratados dentro desse prazo.
Apesar disso, ainda há uma grande desigualdade de tratamento
em cidades mais distantes dos grandes centros urbanos, disse Padilha.
"Queremos reduzir as desigualdades em relação ao tratamento
de câncer no país. Queremos que todos sejam tratados em 60 dias" Alexandre
Padilha, ministro da Saúde
Se o prazo máximo estiver próximo do fim e o tratamento
ainda não tiver começado, os pacientes poderão procurar e cobrar a Secretaria
Municipal de Saúde, segundo Padilha.
"Sabemos que será um grande desafio para os municípios
cumprirem o prazo, mas é preciso que o cidadão busque informações nos
equipamentos de saúde. [...] O ministério também terá uma comissão de
acompanhamento de cumprimento dos prazos em todo o país", disse.
Segundo o secretário de Atenção à Saúde do ministério,
Helvécio Magalhães, o paciente ou os familiares também podem ligar para o
Disque Saúde (Ouvidoria Geral do SUS), no telefone 136.
Câncer no Brasil
O Inca prevê 518 mil novos casos de câncer em 2013. No ano
passado, foram mais de 500 mil diagnósticos de tumores, e o gasto público com
internações foi de R$ 806 milhões. Esse é o segundo problema de saúde que mais
mata no Brasil, atrás apenas de doenças cardiovasculares.
Entre as mulheres, o câncer que mais mata é o de mama –
foram 12.705 casos entre 2010 e 2011, o que representa 15,3% das mortes
femininas no país. Já entre os homens, o câncer de traqueia, brônquios e
pulmões somou 13.677 casos no mesmo período, alcançando 14,2% dos óbitos.
"O câncer não pode esperar, mas o tempo não é o principal
fator determinante, e sim a qualidade do tratamento, se ele é correto, coerente"
Nise Yamaguchi, oncologista
Para Padilha, a população brasileira também precisa melhorar
os hábitos como forma de prevenção.
"É um problema de saúde pública que será cada vez mais
presente por conta do modelo de vida, da urbanização e do envelhecimento. [...]
A prevenção do câncer, antes de mais nada, é não fumar, ter hábitos saudáveis,
fazer exercícios", destacou.
'Decisão cautelosa e
útil'
Na opinião da oncologista Nise Yamaguchi, diretora do
Instituto Avanços em Medicina e médica dos hospitais Sírio-Libanês e Albert
Einstein, em São Paulo, a decisão do governo é extremamente cautelosa, útil, e
vem da necessidade de agilizar o sistema.
"O câncer não pode esperar, mas o tempo não é o
principal fator determinante, e sim a qualidade do tratamento, se ele é
correto, coerente. É preciso saber o que se está fazendo, e isso não é
imediato, depende da resposta do patologista, de uma biópsia", explica.
Nise diz que, na maioria das situações, dois meses são um
prazo razoável. A exceção fica por conta de alguns tipos de leucemia, que
avançam mais rápido. Em relação às metástases – quando um tumor se espalha para
outros órgãos ou tecidos –, não é possível saber quando elas vão ocorrer, razão
pela qual não dá para afirmar se 60 dias são um período seguro ou não.
De acordo com a especialista, na maioria dos países não
existe esse tipo de lei.
"Neste Brasil continental, seria impossível dar conta
de um prazo menor, pois não adianta uma lei para não ser cumprida. Dentro de um
ano é que poderemos avaliar essa medida", diz a médica.
Fonte: Luna D'Alama - Do G1, em São Paulo
*Colaboraram G1 PE, DF, RO, RS, Ribeirão Preto e Franca, Bauru e Marília, e
Campinas e Região
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