quarta-feira, 22 de outubro de 2014

SAÚDE

Cadastro atualizado de medula orienta doação

Índice de compatibilidades obtidas pelo registro nacional de doadores aumentou mais de 300% em 11 anos

Foto: Google imagens.

Menos agressiva e relativamente mais simples que a doação de órgãos, a doação de medula óssea é a alternativa para doenças que comprometem o funcionamento desse órgão. Desde 1993, o Brasil conta com um banco, o Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome), que recebe o cadastro de voluntários a participar do processo de doação. Entretanto, somente o registro não é suficiente para garantir que a busca realizada pelo Redome funcione. É preciso que, periodicamente, o doador atualize as informações fornecidas no cadastro, de modo a fornecer subsídios eficientes para que o sistema possa reunir doador e paciente. Em 11 anos, o sucesso das compatibilidades aumentou em mais de 300%. 

Quando o paciente não possui nenhum parente capaz de doar, o próximo passo é partir para a procura de doadores voluntários. O Redome permite que qualquer pessoa se coloque a disposição para o processo de doação. A partir de 1998, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) passou a ser responsável pelo registro. O voluntário deve preencher um formulário que reúne o maior número possível de informações a fim de facilitar a procura. Atualmente, o sistema conta com 3,5 milhões de doadores cadastrados. Por ano, recebe, em média, de 400 a 470 novos registros. De acordo com o Inca, trata-se do terceiro maior registro de doadores do mundo.

O coordenador do Redome e diretor do Centro de Transplantes do Inca, Luiz Fernando Bouzas, explica que, quando o voluntário realiza a inscrição, uma amostra sanguínea é recolhida para que o doador também seja submetido ao exame de HLA, teste de histocompatibilidade que identifica as características de cada indivíduo. A busca é iniciada automaticamente. “É imprescindível que o doador cadastre o maior número de informações possíveis, de modo a facilitar o processo quando for preciso encontrá-lo. Além disso, ele precisa mantê-lo atualizado. Quando muda de endereço ou de telefone, por exemplo, deve informar o Redome”, esclarece. A responsabilidade da mudança no cadastro é dele próprio e essa atualização pode ser realizada através do site do Inca (www.inca.gov.br).

De acordo com Bouzas, por vezes, os doadores se confundem e pensam que a amostra de sangue já consta como doação da medula em si. “Quem aceita ser doador precisa estar ciente que pode se inscrever hoje e ser chamado daqui a cinco, dez anos.” Essa incerteza pode causar transtornos. Em dez anos, a vida do doador pode mudar radicalmente. “A pessoa pode engravidar, contrair uma doença, estar inapto a abandonar o trabalho por uns dias. Os fatores de impedimento da doação são inúmeros e ninguém pode ser obrigado a fazer o gesto”, explica Bouzas.

O processo de inscrição de pacientes é simples e informatizado. O médico que for responsável pelas informações as inscreve no sistema do Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea (Rereme), incluindo o resultado do exame de HLA. Identificados os possíveis doadores, a informação é retransmitida ao médico, que analisa, junto com o Redome, quais as melhores opções de doadores para cada caso específico.

Aumento no número de voluntários faz crescer chances de encontrar doador no sistema

A morte de uma menina de nove anos, em Natal (RN), no início deste mês, acendeu um alerta. Sara Dantas morreu devido a uma pneumonia originada por complicações da leucemia. O caso chegou a ser divulgado como resultado de uma falha no processo de procura de doadores.

Sara esperava por um transplante de medula e, de acordo com Bouzas, não o recebeu por não ter as condições de saúde necessárias para aguentar a operação. “Tínhamos identificado três doadores preliminares para o caso dela. Uma estava grávida, outro não era compatível. O terceiro estava esperando que ela melhorasse para realizar a doação”, alega.

O sistema de procura de doadores e realização do transplante é totalmente financiado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Quando a busca nacional falha, o Redome realiza um rastreio internacional, a fim de encontrar um doador o mais rápido possível. “As buscas preliminares podem resultar em vários doadores. Quando analisado com afinco, esse número pode ser reduzido ou até eliminado”, explica Bouzas.
O Inca estima que, em média, de 800 a 1.200 novos casos sejam registrados por ano. Bouzas elucida que esse dado é bastante dinâmico. “Quando o paciente é diagnosticado com leucemia, por exemplo, já entra para o sistema como possível receptor. Ele pode melhorar de outra forma ou vir a falecer, e acaba não recebendo o transplante.” De acordo com o diretor, aproximadamente 85% dos pacientes encontram um doador preliminar. Após o exame de compatibilidade, o número cai para 65%. “O número de voluntários cresceu bastante. Em 2003, os resultados contemplavam somente 15% dos pacientes.”

O Rio Grande do Sul está entre os cinco estados que mais possuem voluntários para a ação, ao lado de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro. Vítimas de enfermidades hematológicas, onco-hematológicas, imunodeficiências, doenças genéticas hereditárias, tumores sólidos e doenças auto-imunes estão entre as que recebem indicações para transplante. Em alguns casos, somente a quimioterapia ou radioterapia, por exemplo, não são suficientes. O transplante passa a ser a melhor chance de cura para o paciente.

Notícia da edição impressa do JORNAL DO COMÉRCIO de 21/10/2014

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Um novo capítulo

Menina que recebeu doação de medula da irmã tem alta do hospital

Menina de Gravataí, seis anos, recebeu um transplante da mana Antônia, um ano, que foi gerada para salvar sua vida

04/10/2014 | 04h03
Menina que recebeu doação de medula da irmã tem alta do hospital Ricardo Duarte/Agencia RBS
Ana Luiza teve alta do Hospital de Clínicas na manhã de sexta-feira Foto: Ricardo Duarte / Agencia RBS
Os planos da família de Gravataí que gerou um bebê para salvar a filha com problema de medula óssea deram importantes passos rumo ao final feliz. Após 35 dias do transplante que foi um sucesso, ontem, Ana Luiza, seis anos, teve alta do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
A menina fez questão de escolher o modelito da saída: vestido preto com generosas bolas brancas, casaco bege e, na cabeça, lenço de estampa petit-pois. Três quilos mais magra do que na internação, careca, com a pele escurecida devido às sessões de quimioterapia que prepararam o organismo para o transplante, Ana chegou em casa às 11h com o bom-humor de sempre. Na cozinha, uma festa surpresa a esperava para comemorar o aniversário uma semana atrasado.
Ana Luiza com os pais e a irmã, Antônia, e o irmão, Alex Júnior
Foto: Ricardo Duarte


Alex Junior, 22 anos, o irmão mais velho, era a única visita autorizada no hospital, além dos pais Gerciani Cunha da Costa, 39 anos, e Alex Gularte da Costa, 45 anos. Avó, tia, e primas que ficaram dois meses impedidas de vê-la devido ao rigor da unidade de tratamento caíram no choro quando a enxergaram. Os minutos de silêncio tomados pela emoção foram quebrados pelos gritinhos de Antônia, a criança de um ano que deu nova vida à família ao doar 260ml de medula para a irmã.
A nova aparência de Ana, que tentava beijá-la e apertá-la como de costume, gerou estranheza em Antônia de início. O bebê também zangava-se com quem quisesse tirar-lhe do colo materno do qual ficou distante os 62 dias que Gerciani cuidou de Ana no hospital. O almoço de boas-vindas foi planejado por Ana e executado pela a avó: panquecas de carne. Apesar de aparentar boa saúde e estar com 100% da medula regenerada — a doença que acometeu a menina se chama aplasia medular, quando a medula óssea que produz todos os componentes imunológicos do sangue deixa de funcionar —, serão três meses de cuidados extremos.
Saúde da menina agora é comparada a de um bebê
A "pega", jargão médico para definir a hora em que a medula nova passa a produzir células normais, ocorreu 20 dias após o transplante, conforme o esperado. Os primeiros a dar sinais foram os neutrófilos — ultrapassando o valor de 1,5 mil na contagem. Nos últimos três anos, ela viveu com menos de cem deles. Nas próximas semanas, os glóbulos vermelhos e por último as plaquetas devem se manifestar.
— E eu já vou poder me gripar? — quis saber a menina, arrancando risos dos médicos antes da alta.
A saúde dela agora é comparada a de um bebê, e as células de defesa do organismo ainda estão sendo treinadas para o ataque de qualquer invasor. Um resfriado, portanto, não seria bem-vindo. Os sinais mais claros de que nasceu de novo estão nas vacinas, que devem ser todas refeitas em um ano. Depois, poderá frequentar a escola.
— A medula, que antes era vazia, está repleta de células em crescimento. A recuperação dela foi impressionante — disse Liane Daudt, chefe do Serviço de Hematologia Clínica e Transplante de Medula Óssea do Clínicas.
As consultas semanais seguirão indispensáveis, mas a família já começa a enxergar com maior nitidez a concretização de pequenos sonhos. Em seis meses, Ana estará pronta para brincar no parque de diversões. Serão os primeiros passos marcantes para uma vida nova.
Uma longa espera
– Há três anos, Ana Luiza descobriu que tinha aplasia medular — quando a medula óssea que produz os componentes imunológicos do sangue deixa de funcionar.
– O transplante de medula óssea era a única chance de salvação, mas não foi localizado doador compatível.
– Os pais decidiram gerar um bebê, por meio de seleção embrionária, para que fosse compatível.
– Antônia nasceu em junho de 2013. A esperança era de que as células-tronco do cordão umbilical fossem suficientes para fazer o transplante. Mas ela nasceu prematura e não foi possível coletar células suficientes.
– A equipe médica teve de esperar até que Antônia completasse um ano para poder fazer a coleta.
– Em 29 de agosto, Ana recebeu a medula da irmã. A " pega", jargão médico para designar quando a medula nova do receptor começa a produzir células normais, pode ocorrer entre o 15º e o 21º dia após o transplante.



Fonte: Zero Hora.