terça-feira, 2 de setembro de 2014

'Não senti medo', diz menino de 6 anos após doar 
medula para a irmã

Nesta segunda (25), José Carlos salvou a vida da irmã, de apenas 3 anos.
Menina foi diagnosticada com leucemia e faz tratamento em Natal.


Para a família, o pequeno José Carlos, de 6 anos, é um herói (Foto: Reprodução/Inter TV Cabugi)
Para a família, o pequeno José Carlos, de 6 anos, é um herói (Foto: Reprodução/Inter TV Cabugi)

Ele é apenas uma criança de 6 anos, mas para a família o pequeno José Carlos é um herói. Na manhã desta última segunda-feira (25), o menino foi doador de medula óssea e salvou a vida da irmã dele, Dilma Gabrielli, que tem apenas 3 anos e sofre de leucemia. Os dois vivem com a família em Natal. "Não senti medo", disse o menino.

Segundo o médico oncologista Henrique Fonseca, o procedimento não oferece riscos. "O doador praticamente não tem riscos. É um procedimento seguro e em poucos dias essa medula já volta ao normal. Ele pode, inclusive, voltar a fazer doações quantas vezes quiser", disse. O médico acrescenta que o procedimento para realização do transplante é simples e não necessita ser realizado em uma sala de cirurgia. Funciona de forma semelhante a uma transfusão de sangue.

Para Patrícia Almeida, mãe das crianças, a segunda-feira foi de renascimento para a pequena Bibi. "É um dia de vitória, de alegria. É muito melhor do que ganhar na Mega-Sena", comemorou.
Entre os meses de janeiro e julho de 2014, foram realizados 37 transplantes de medula óssea no Rio Grande do Norte. Para quem pretende se tornar doador, é preciso ter entre 18 e 55 anos.


Cadastro
Diretor do Departamento de Hemoterapia do Hemocentro, Rodrigo Villar explica que o primeiro passo para quem pretende ser um doador de medula óssea é se cadastrar na unidade. Quando é compatível com alguém, o possível doador tem que fazer exames para saber se está bem de saúde e apto a doar.
Segundo ele, o transplante pode ser feito de duas formas. A mais comum, por meio de uma punção da medula óssea. O procedimento é realizado no centro cirúrgico, com anestesia geral. “É simples. Não podemos dizer que o risco é zero porque envolve um procedimento cirúrgico, mas é um risco mínimo. O doador terá alta em um ou dois dias e poderá ficar com um certo desconforto no local da punção, mas é uma dor que pode ser resolvida com um analgésico. A dor é irrisória perante o benefício que o doador estará fazendo para a vida de alguém”, disse o médico.

O hematologista Rodrigo Villar explica que os riscos são mínimos para o doador (Foto: Fernanda Zauli/G1)
O hematologista Rodrigo Villar explica que os riscos são mínimos para o doador (Foto: Fernanda Zauli/G1)

O outro procedimento é realizado por uma máquina que faz a coleta de sangue periférica. O doador toma uma medicação que fará com que as células tronco migrem para a corrente sanguínea. "A máquina coleta o sangue, centrifuga o sangue e separa o componente celular que eu preciso", detalhou.
“Quem tem a oportunidade de doar a medula óssea está sendo agraciado, abençoado, porque está tendo a oportunidade de restaurar, de salvar uma vida”, disse Rodrigo Villar.
Quem já é cadastrado como doador de medula óssea pode atualizar o cadastro sempre que necessário no site do Instituto Nacional de Câncer (Inca).


Fonte: G1 - RN.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

SAÚDE NASCIDA PARA SALVAR

ESPERANÇA EM FAMÍLIA


ANTÔNIA É FRUTO de fertilização pensada para salvar a irmã, Ana Luiza. Agora, ela completou doação de medula em busca de vida normal às duas

Antônia, de apenas um ano, tinha uma missão audaciosa: salvar a irmã. O bebê de cabelos encaracolados e bochechas fartas não faz ideia, mas concretizou, há três dias, o ato de amor planejado pelos pais.

Os 260ml de medula óssea da caçula deixaram a conta-gotas o recipiente similar a uma bolsa de sangue, percorreram um fio transparente e penetraram o corpo da irmã Ana Luiza, cinco anos, rumo à cura de uma aplasia medular que a fez crescer em uma redoma por dois anos e 11 meses. O transplante ocorreu às 15h8min de sexta- feira e terminou às 16h2min do mesmo dia, sob a vigília de enfermeiros e médicos e dos pais Gerciani Cunha da Costa, 39 anos, e Alex Gularte da Costa, 45.

O procedimento foi realizado no mesmo quarto em que Ana está internada, no Centro de Transplantes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Para se preparar, ela pegou o rímel da mãe escondido, passou protetor labial cor-de-rosa e acomodou uma flor gigante na cabeça. Aos pés da cama, as bonecas, Aila, Dora e Luiza. Queria tudo impecável. Assim que o transplante começou, a mãe, sempre falante, ficou muda. O pai não tirava os olhos da menina, emocionado. Ana Luiza permanecia estática, mexendo apenas os olhos.

– Queremos tirar uma foto contigo, Ana – disse Gerciani.

A menina a fitou contrariada.

– Claro, tiramos no dia que tu nasceste. Vamos fazer uma agora bem bonita – explicou a mãe.

– Tá bem, no dia em que eu renasci, né? – consentiu Ana.

Minutos antes da infusão da medula, Ana interrogou a médica:

– Como que a medula sabe que tem de ir para o lugar certo, já que a gente recebe na veia e sangue não tem olho nem pé para andar?

– Sangue enxerga e anda até de skate. Corre e sabe onde ficar, é muito esperto – rebateu Liane Daudt, chefe do Serviço de Hematologia Clínica e Transplante de Medula Óssea do Clínicas.

Ao fim do procedimento, Gerciani foi até o quarto de Antônia, cinco andares acima.

– Deu tudo certo com a mana. Tu vais salvá-la – disse, enquanto a bebê se jogava em direção à mãe.

Fora reações já esperadas, de vômito, prostração e dor de cabeça, Ana passa bem. Até as 19h de ontem, o estado de saúde era estável. Antônia já teve alta. Sem a irmã, embrião produzido em laboratório, Ana Luiza não sobreviveria. A gestação de Antônia não seria programada pelos pais sem a necessidade de um doador 100% compatível. No meio médico, o feito – realizado em uma clínica de reprodução particular de Porto Alegre –, pioneiro no Estado e segundo no país, é sinônimo de dilema e controvérsia, pois muitos especialistas julgam antiético criar um ser para salvar outro.

Para os Cunha, foi uma decisão baseada no desespero de manter vivo um filho e na capacidade de dar amor “ao anjo” que chegou para ampliar a família. A história foi tema de reportagem em ZH em 4 de maio (veja acima, no detalhe).

A pega da medula, jargão para definir a hora em que um novo sistema imunológico passa a orquestrar o corpo do receptor e é retomada a produção das células do sangue, tem um prazo de 21 dias para acontecer. Ana Luiza ainda poderá enfrentar infecções e tem a chance de as células-tronco recebidas da irmã não reconhecerem os órgãos do seu corpo. Mesmo as irmãs sendo totalmente compatíveis, em 5% a 10% dos casos não ocorre a pega da medula. Além disso, o risco de morte é de 15% e, em 70% dos transplantados, ocorre a Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro, que é quando o sistema imunológico novo não percebe os órgãos do corpo receptor como próprios dele.

Quanto mais tempo houver de doença, maiores são os riscos. Esse é o caso de Ana. Um dos motivos para que os médicos que cuidavam do transplante fossem contrários à gravidez programada.

Gerciani é professora de matemática. A teimosia da filha em viver a fez deixar de crer em probabilidades. O primeiro tratamento prometia 80% de certeza de que a medula acordaria. Nada. A expectativa de 25% de chance de o irmão Alex Junior, 22 anos, ser compatível não se confirmou. A chance de encontrar um doador compatível é de um a cada 100 mil doadores cadastrados no banco de medulas. Se a mãe tivesse engravidado espontaneamente, precisaria de 13 gestações. No caso de Antônia, foram feitos dezenas de embriões até um ser compatível.

– Se tiver 1% de chance de dar certo, vamos transformá-la em 100% – confia a mãe.

Cadastro é esperança de 1,3 mil pacientes


A aplasia medular severa de Ana Luiza consiste na falência da medula óssea (a dela tem funcionamento de menos de 20%), o que a deixa sem os principais elementos do sangue que combatem infecções. Quase três anos se passaram desde o diagnóstico e a menina para quem um resfriado poderia ser fatal resistiu fortemente. Mas uma semana antes da internação para o transplante, Antônia contraiu um resfriado e o transmitiu para Ana Luiza. A menina que não poderia ter mais do que 37,5°C de febre chegou aos 39,5ºC, antecipando a internação em início de agosto.

Com o resultado dos exames comparados aos de um adulto saudável, Antônia não ficou debilitada pela gripe. Em função do pouco tamanho, a doação da medula ocorreu em duas etapas – uma em 18 de julho e outra em 29 de agosto.

Ana já disse mais de uma vez que as crianças são muito mais fortes do que os adultos. Tirando a palidez do rosto, a altivez de Ana mascara a doença que lhe põe entre a vida e a morte diariamente.

– Ela é praticamente um milagre. A totalidade dos pacientes não resiste tanto tempo. O fato de ela ter ficado quase dois anos sem febre e sem internar é realmente muito fora da normalidade. A mãe dela tem toda a razão de desconfiar das probabilidades – disse a médica Liane Daudt.

Enquanto a mãe zelará pela saúde da Ana, o pai pediu licença do Exército, onde é sargento, para cuidar da menor, com o auxílio de familiares. Em algumas de suas visitas diárias ao hospital, Alex tem levado Antônia para ficar com Gerciani no pátio. Ana mata a saudade da irmã por meio de vídeos e fotos.

Esta história se mistura a de tantos outros pacientes que precisam de uma medula nova para sobreviver, não fosse o detalhe de ter um doador encomendado para a salvação. Aguardando pela chance de cura através da medula, há hoje no Brasil 1,3 mil pacientes – sendo mais de 90 no Rio Grande do Sul.

– Se mais pessoas se cadastrassem, quem sabe todo este sofrimento tivesse sido contornado no início. A parte boa é que agora temos também a Antônia, que amamos demais – avaliou Alex, o pai.

A previsão de internação é de mais 40 a 60 dias. Em casa, os cuidados seguirão rigorosos. Os primeiros três meses são os mais críticos. Ana ainda vai levar dois anos para frequentar a escola, quando se espera que esteja curada. Esse é o maior sonho do pai.

– Nas brincadeiras em casa, ela cita os nomes das amiguinhas de quando tinha três anos e frequentava a escola. Ela só teve aquelas. Sinto que ela está perdendo uma parte da infância. Agora está enclausurada para poder voar por aí – disse Alex.

E os planos para quando ela voltar para casa?

– Não sei nem mais receber visita. A família toda precisará de terapia, mas o tratamento que eu achei mais adequado foi ver a Antônia e a Ana no dia a dia, que elas estão lutando, Antonia se mantendo saudável e Ana implorando para viver – crê Gerciani.
COMO SER UM DOADOR?
-Para ingressar no cadastro de medula óssea são retirados 10ml de sangue (onde se identifica o HLA – espécie de “código de barras” de cada pessoa), e preenche um formulário com dados pessoais.
-Podem se tornar doadores voluntários pessoas entre 18 e 60 anos.
-Os dados do sangue e as informações pessoais ficam cadastradas no sitema informatizado que realiza o cruzamento dos dados do paciente que necessita de um transplante e fica disponível para doação até os 65 anos.
-A necessidade dos pacientes que aguardam por transplante é urgente, por isto. É importante manter os dados do cadastro atualizados para que os doadores sejam facilmente localizados. Mudanças podem ser informados pelo site www.inca.gov.br/doador






Fonte: Zero Hora: 01/09/2014.